Em São Paulo, a cena de música eletrônica experimental revive de maneira moderna o caráter inclusivo do rock cru dos anos 1970

O Punk é o novo Techno
© Ivi Maiga Bugrimenko
Em uma sociedade que tem, muitas vezes, dificuldade em lidar com o diferente, a música sempre foi um caminho de contestação. O punk nasceu como um exemplo disso, no som e na atitude: nos anos 1970, inverteu a estética polida da disco music comercial que dominava o mainstream, declarou que qualquer um podia fazer música e levantou a bandeira de que tudo bem ser estranho, tudo bem não se encaixar. Esse caminho questionador também é seguido pelo techno, que ao colocar no centro da ação as baterias eletrônicas, atirou pela janela todo o velho cânone da produção e da composição musical. Na década de 1980, os DJs e produtores da cidade norte-americana de Detroit forjaram o que se entende por techno e criaram as bases de uma estética sonora inovadora, que inspiraria diversas gerações de artistas a explorar caminhos criativos fora do lugar-comum – e diversas gerações de jovens a se aceitar fora do lugar-comum. Lá atrás, o punk foi berço da rebeldia e casa para toda sorte de desgarrados, para quem não se enquadrava no status quo. Em São Paulo, hoje, além da própria cena punk, nenhum outro “lugar” replica esse espírito como o techno.

Techno é o Novo Punk
© Ivi Maiga Bugrimenko
No que diz respeito ao que sai das caixas de som, o gênero se explica pelo quê mecânico: loops de bateria eletrônica repetidos de forma a criar um efeito hipnótico, arranjados para reforçar essa capacidade de transe. Um transe individual que, nas pistas de dança, se transforma em um transe grupal. Essa ideia, rebelde por definição, criou em torno de si um vasto e diverso grupo de seguidores. Gente “inadequada” aos padrões sociais, à “normose” predominante. Na capital paulista, tal universo se consolidou especialmente em torno de eventos organizados nas ruas ou em espaços alternativos, uma resposta mais acessível aos ingressos caros de grandes clubes noturnos. É em festas dos núcleos Mamba Negra, Capslock, Sangra Muta, Düsk, ODD, Vampire Haus, OBRA e Coletivo Äpex, entre outros, que o techno segue em seu processo contínuo de metamorfose, embalando corpos em um movimento não apenas físico, mas político. O techno abraça amplamente, por exemplo, o público ligado à causa LGBTQ+, com iniciativas como a entrada gratuita para transexuais.
Paula Rebellato, de 29 anos, da banda brasileira de pós-punk Rakta, passeia pelo universo do punk e do techno, e respira nos dois o mesmo oxigênio contestador. “[Ambos] me deram uma força absurda para lidar com as problemáticas da adolescência”, conta. Para o produtor curitibano Gustavo Paim, de 27 anos, na música o punk e o techno se encontram na capacidade de “fazer o som avançar”. “É algo voltado para frente, para o futuro, contra as fórmulas”, afirma.

O Punk é o novo Techno
© Ivi Maiga Bugrimenko
Para mim, o techno foi a continuação do punk nos anos 1990”, diz o DJ e produtor Renato Cohen, de 43 anos, consagrado por suas produções de techno e figura ativa na cena underground. Ele ressalta a veia do “faça você mesmo” nesses universos. “[É] viver às margens do sistema, sem ignorá-lo, e com a intenção de mudá-lo, de incluir todos e de fazer o que é o certo. E os dois tipos de música têm estruturas muito simples, com possibilidades quase infinitas e muito democráticas.” Cohen tocou na banda punk Disk Putas antes de se tornar mundialmente conhecido por suas produções eletrônicas.
Em São Paulo, as festas de techno e música eletrônica experimental florescem fora do grande mercado. Produtores se unem para dar vida a tais eventos, em boa parte do tempo sem muitos incentivos financeiros. É aí que nasce um lugar de caráter inclusivo, plural e acolhedor. “Festas como Mamba Negra, Festa Temporária e Metanol estão revolucionando o convívio na cidade”, acredita Carlos Issa, 46 anos, nome por trás do projeto musical Objeto Amarelo. “É um ambiente absurdamente inclusivo, uma aceleração do punk anarco original. Não estão resgatando o punk, nem algum tipo de comunidade ideal perdida no tempo e na história, mas têm, sim, um objetivo em comum com o punk. Essas festas estão inventando mundos novos, modos de compartilhar tempo e espaço que levam em consideração as novas diferenças e os novos outros. A cena experimental e a cena eletrônica estão dialogando e criando um ambiente de insurreição radical em São Paulo. Radical no sentido sonoro, porque inclui todos os sons do mundo, e radical no convívio – inclui todos os corpos do mundo.”

Techno é o Novo Punk
© Ivi Maiga Bugrimenko
Não é fácil pintar com palavras a revolução a que Carlos Issa se refere, mas as imagens que ilustram este texto, clicadas pela fotógrafa Ivi Maiga Bugrimenko em festas de diferentes núcleos ao longo de 2018, dão uma amostra desse universo plural, no qual “todos os sons” e “todos os corpos” convivem de maneira criativa e, acima de tudo, livre.

A Undercity, evento que acontece no Trevo Urban Parking em Aracaju no dia 11 de Junho, tem a intenção de reunir diferentes vertentes e direções da cena eletrônica mundial, desde o som das pistas até as linhas mais experimentais. Serão festa de 8 horas conta com DJs e produtores em destaque. Estão no line-up nomes quentes do techno e do house, como Bumpz, Dandara, Disfalq, jjsojj, Netx e Yoh.
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